sexta-feira, agosto 04, 2006

Noite volvida


Acordo num quarto quadrangular, cinzento, sem janelas e com cerca de 4 metros quadrados. Há luz, embora não se vejam lâmpadas ou projectores. Apenas há luz. Analiso cada milímetro da parede em busca de algo que me posso tirar dali. Nada. Nem uma falha na pintura, nem uma racha na parede, nem o mínimo sinal de fragilidade. Mesmo sabendo que o cimento não cede ao punho humano, tentam-se uns murros em busca da sorte. Nada. Em breve deve acabar-se o oxigénio, imagino. Não há nada a fazer. Se ali fui parar alguma razão teve. Se for para sair, sairei. Deixo o tempo passar... mais um pouco. Mas um pouco... até sentir o oxigénio a falhar. Aí já começo a perder as esperanças... Penso no que fiz, no que tenho, no que poderia ter tido. Vens-me tu à cabeça, como sempre. Na antecipação mental sempre foste mestre, chegavas-me sempre primeiro à memória que o resto das coisas. Lembro-me das risadas, das vergonhas e das entregas. Revivo o beijo mais intenso e o orgasmo perfeito. Incrível como num espaço fechado à circulação te fizeste sentir, assim, do nada. Afasto-te por uns segundos, só para não ir embora sem guardar um cantinho ás restantes pessoas que me são queridas. Estou no colo do meu pai, com 5 anitos, a ver o porto e a chamar nomes aos jogadores do Benfica; estou deitado na cama da minha mãe, a roubar o lugar ao meu pai, que quando me chega me leva ao colo para a minha cama; estou na escola a conhecer colegas novos que ficam para sempre; estou a ter a minha primeira paixão juvenil; estou a conhecer o amor e a dor; estou a crescer; estou adulto; estou contigo, novamente, entrelaçados em carinho e amor que nunca nos abandonam, nem por paredes forradas a cimento e enchidas a betão. Corro a vida em 3 segundos e volto a ti. Foi rápido, tive saudades, porque se o oxigénio se esvai não poderei voltar mais a ti, nem a nós. Largo todos os outros pensamentos que tenho, no momento. Só te quero a ti, ali, comigo. A respiração ta a fraquejar. Os pulmões já não devem durar muito. Sente-se o oxigénio a falhar, é ar respirado a entrar novamente. O ar é rejeitado, já não serve para estes pulmões selectivos! Oxalá pelo menos hoje não fossem tão selectivos como o coração, não preferissem apenas um e só um tipo de objectivo. Aperto-te a mão com força, vou levar-te comigo, vá para onde for. Últimas résteas de força são reservadas para te beijar os lábios... e soltar um 'Amo-te', fraco, mas do mais sincero que já foi ouvido. A mão perde a força, a cabeça desiquilibra-se e... o despertador toca. Começo a ter medo de ir dormir sem te ter aconchegado bem o coração.

2 Comments:

At 9:32 da tarde, Anonymous Anónimo said...

os teus finais são sempre tão intensos. frases que ficam.

 
At 11:51 da tarde, Blogger Princesa* said...

Não sei por onde te andas a perder...mas são lugares ricos em inspiração.

De novo, brilhante.

 

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